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Criação da Coleção Quinatus

“Gastronomia é comer olhando para o céu…” Millôr Fernandes

Projeto QuiNatus

Apresentação

O projeto é resultado do estudo do trabalho de criação que dá novo sentido à gastronomia, empregando ingredientes sob o enfoque de novas utilizações e apresentações de uma receita, em busca de se revelar típica, tradicional, acolhedora e, ao mesmo tempo, surpreendente.

A criação de uma coleção de jóias, ou peça conceito, elaborada a partir do processo criativo da gastronomia, com combinação de diferentes elementos, materiais, texturas e processos, criando uma identidade emocional e surpreendente com o usuário, assim como é a joalheria contemporânea conceitual, autoral.

“La memoria, el ingrediente más poderoso de la cocina. Un sabor que parecía olvidado, una receta perdiéndose en el tiempo. Un producto que parte sin aviso, un momento íntimo que estremece. Caminos todos capaces de conducir nuestra memoria hacia una catarata de emociones. Allí acudimos, al frágil recodo de nuestra memoria.” (Astrid & Gastón, Lima – Peru)

(A memória, o mais poderoso ingrediente da cozinha. Um sabor que parecia esquecido, uma receita perdida no tempo. Um produto que parte, sem aviso prévio, um momento íntimo que sacode. Estradas capazes de dirigir a nossa memória a uma enxurrada de emoções. Lá vamos nós, o canto frágil da nossa memória).

As mudanças de métodos e formas têm o objetivo de explorar o melhor de cada elemento: cor, textura, aroma, sabor e a maneira como eles se harmonizam, conectando a importância e o contexto cultural, são evidências da dedicação que revela a beleza da “cozinha”. 

É possível decodificar a presença da alta gastronomia nas impressões causadas pela apresentação e elaboração apuradas, alianças entre as técnicas tradicionais e contemporâneas. Um território de confluência da cozinha clássica e da Nouvelle Cuisine: reformulação, refinamento, simplificação e compilação. Cores e sabores mixados com uma leveza enfática. Mas trazendo para mais perto o que já era próximo: “o refogado clássico da cozinha brasileira: alho e cebola”. O cheiro base da nossa culinária, um perfume que remete à delicadeza dos pequenos gestos, em um ritual que é nascedouro das receitas. Aquele célebre momento: – olha este cheiro! Uma denúncia sinestésica, de que a percepção extrapolou os sentidos na tentativa de aproveitar todo o potencial da experiência.

O site Zona D (2011) diz que “a jóia hoje pode e deve revisitar conceitos, inovar sendo: diferente, inteligente, engraçada, inesperada, provocante e mais do que nunca, bela. A jóia contemporânea valoriza o ato criativo expressivo e insufla um novo sentido ao ornamento. É um meio eficaz e sutil de expressão.” A pesquisa formal e a experimentação de materiais, sejam eles nobres ou não, é justamente a proposta da joalheria contemporânea. A comercialização não é o intuito desta nova joia. Llaberia diz que esta nova joalheria remete “a pesquisas, inquietações, reflexões e posições de quem a idealizou […]”. Sobre a joia contemporânea, o site Padova Cultural (2008) diz: Jóia-escultura […] uma experiência de grande originalidade surgida da afirmação de individualidade que se reconhece em um estilo anticomercial e antidecorativo, baseado na pureza das formas, na disposição do material, no equilíbrio das proporções e uma constante experimentação de novas técnicas e materiais. (PADOVA CULTURA, 2008, traduzido pelo autor2) O valor da peça não é aqui ditado pelo material da qual ela é feita e sim pela criatividade e originalidade de seu criador. Segundo a Revista Brasileira de Design – AGITPROP (2011), “diante da diversidade de materiais a jóia como expressão artística não se prende ao que é entendido como luxo. O ouro assim como o ferro, a madeira, a fibra de buriti são igualmente preciosos para a confecção de adornos.”

“A culinária é a arte de fazer obras-primas que logo se desfazem.” Carlos Drummond de Andrade

Gastronomia, Criatividade e Design

A gastronomia, cada vez mais, está em busca de uma relação de proximidade, de cumplicidade com o seu cliente. Hoje, o chef, em geral, quer ter sua marca registrada; para isso, cada um procura ter uma filosofia, o restaurante que comanda tem, em geral, um conceito próprio e cada prato emite sua mensagem.

Nesse contexto, a ideia original, os preparativos para elaboração e a própria construção de um menu degustação, por exemplo, envolve vários processos de harmonização, na medida em que o seu criador – o chef – pretende surpreender o cliente através da exponencialização do sabor, da autenticidade de ingredientes, da experimentação das suas misturas, do impacto na apresentação dos pratos e, claro, da sublimação do prazer.

Assim, a arte está presente no dia a dia de uma cozinha de um chef criativo, pois a criatividade aparece quando a técnica, amplamente conhecida, é aplicada de um jeito novo, quando se desconstrói seu próprio registro tirando sabores de sua memória e os coloca no momento presente, quando, enfim, se consegue causar emoção e alcançar expressão.

E isto está presente, tanto na culinária, quanto no design, em especial aquele próprio da joalheria de autor, pois, aqui, como lá, a criação também tem um papel de ser um estímulo aos outros, instigando-lhes a ter um novo olhar, a buscar algo novo, com o fito de expressar, ainda que inconscientemente, a vontade de materialização de um desejo, de um sentimento, de um sonho ou, mesmo, de um ousado projeto…

E justamente com base nesse processo criativo é que se pode iniciar um original conceito de joalheria de autor, partindo de materiais, técnicas, elementos inspiradores e, principalmente, focado nos próprios ingredientes utilizados na elaboração de pratos, bem como no “design” pensado e repensado pelo chef na construção de um menu degustação.

Daí o presente trabalho se basear nas concepções, no estimulado senso de criação advindo da arte da gastronomia, para formar conceitos, sob o ângulo da joalheria autoral, começando com a experimentação, passando pela escolha do material e da técnica e finalizando com a execução concreta de um produto, igualmente artístico, passível de admiração e comercialização.

E, para criar e expandir essa criação, é imprescindível perceber os estímulos, o lugar, a história de cada um, para, depois, fazer um certo “desenquadramento”, com a finalidade de, convivendo com elementos “desaforados”, fora do lugar habitual e experimentando descaminhos – e novos caminhos –, alcançar um produto diferenciado, próprio, o qual, ao mesmo tempo em que possibilita a associação às derivações típicas da gastronomia, possa evidenciar um discurso criativo, autoral, exclusivo.

Tal como em uma refeição a primeira impressão é visual e, apenas depois de comer, se percebe cada nuance de sabor: o doce, o cítrico, o amargo, o camarão, a nota marinha, a nota de erva, a nota de flor, a germinação, também na elaboração de uma joia, a apresentação é, digamos, o “momento que fica”.

Porém, à medida em que a pessoa vai sentindo o significado daquela peça, a experiência, que não é apenas visual, passa também a se revelar multissensorial, indo desde o modo como encara o aspecto do desenho do prato – da joia – até o prazer de ir àquele restaurante específico – usar a joia – e saborear um menu degustação – desfilar perante amigos e familiares.

Afinal, comemos com o tato, a vista, o olfato, o paladar. Se você pode provocar todos os sentidos, não há por que se limitar a um só. A ideia simbolística de uma joia autoral é tudo isso e muito mais…

De todo o exposto, é importante deixar claro que toda e qualquer criação tem tempos diferentes e imprevisíveis, assim como a meta para atingir o objetivo também pode ser uma mola que impulsiona a criatividade. Você é criativo na cozinha quando convive com as reflexões a respeito do cozinhar.

Na gastronomia, a criação pode ter qualquer tema, qualquer assunto, pois tudo pode ser interpretado com a comida. E assim que o ato de comer com intuito de prazer passou a constituir uma atividade cultural. E, no design autoral, isto também está presente.

Assim, há caminhos enormes de reflexão para se trilhar com a cozinha e é nesse pano de fundo multifacetado que é a gastronomia que servirá de paradigma para o novo olhar da joalheria de autor, pois, tanto num campo, quanto no outro, as analogias vêm facilmente, pois em ambos há entrega, há sentimento, há amor…

Desenvolvimento do Tema

“A interpretação de um aroma ou de um sabor é humana, cultural. Na culinária, entende-se que o sabor é um aroma líquido. Então, entre as imagens de comida, o aroma e o sabor, tudo fica muito amarrado e é fácil brincar com o comensal. Sobram ferramentas, uma vez que um chef tem essas compreensões. O trabalho fica com um quê de perverso, de pode tudo.” (Alex Atala). 

 A nossa relação com a comida foi se aperfeiçoando com a evolução da sociedade humana. O comer (para nos nutrir) passou ao degustar, e nesta passagem, envolvemos os cinco sentidos, audição, gravada em nossa memória, nos leva ao desejo de repetir, repetir, repetir… pois degustar é a olfato, paladar, tato e visão. Quando nos apresentamos para degustar algo e olhamos e sentimos o aroma tentador de um prato, ele nos convida, o som da comida (quando interagimos com ela) e a textura nos provocam, assim como o sabor nos satisfaz. Tudo isso transmite uma experiência quemaior tentação… O motivo? É a combinação perfeitamente irresistível de diferentes fatores, e como a ciência explica, isso acontece porque são produzidas endorfinas que inundam o nosso cérebro de prazer.

Assim, o trabalho se baseia nas concepções, no senso de criação advindo da arte da gastronomia, para formar conceitos, sob o ângulo da joalheria autoral, começando com a experimentação, passando pela escolha do material e da técnica e finalizando com a execução concreta de um produto, igualmente artístico, passível de admiração e comercialização.

Criar através da percepção dos estímulos, do lugar, da história de cada um, quando não existe metodologia quando se está lidando com algo orgânico e singular. Cada lugar é único, cada pessoa tem seus caminhos prediletos, a forma de agir precisa variar conforme as experiências da comunidade e o tempo. Experimentando descaminhos e novos caminhos, a fim de alcançar um produto diferenciado, próprio, o qual, ao mesmo tempo em que possibilita a associação às derivações típicas da gastronomia, possa evidenciar um discurso criativo, autoral, exclusivo.

Os ingredientes são os tesouros para um grande chef. E trabalhar de forma a encontrar novas possibilidades é o maior desafio, estabelecendo uma conexão entre o que faz e o que se ainda pode fazer, o ingrediente tem sempre algo a mais a dizer. 

Durante muito tempo, ingredientes como o quiabo, chuchu e jiló estiveram entre os alimentos deixados de lado na culinária brasileira, vistos com preconceito e desconfiança pela maioria dos consumidores. Agora, com a ajuda da ciência, os três ganharam status de alimentos funcionais e estão conquistando espaço nos cardápios das famílias e restaurantes. Além de serem nutritivos e alimentos de baixa caloria, os chefs badalados redescobriram esses frutos e estão criando receitas diferenciadas. 

O quiabo foi trazido para o Brasil pelos escravos, estudiosos confirmam que o vegetal tem origem na África ou na Ásia. A safra ocorre principalmente de janeiro a maio, mas você encontra o legume em qualquer época do ano. Para escolher o mais saboroso, deve se optar pelos que estejam bem verdes, firmes e sem manchas. O único “porém” do consumo do quiabo é que, ao cozinhá-lo, ele forma uma “baba”‘ e há quem não goste disto e por isso sempre foi vítima de preconceito, mas o lado bom é que o quiabo é saborosíssimo e tem bastante vitamina A e C e tem poucas calorias.

Cheio de estilo e personalidade, ele finalmente dá a volta por cima, com o seu uso em pratos refinados, chefs de São Paulo e do Rio mostram que o desafio da moderna culinária brasileira mora em se conectar às raízes e às coisas simples do dia a dia. E agora pode ser visto (e saboreado) na companhia de ingredientes de peso, como o foie gras, brincando de ser caviar e até invadindo receitas francesas.

Para Roberta Sudbrack, o ingrediente que mais a surpreendeu foi o quiabo! Por ter sido o primeiro com que ela trabalhou como base de um menu degustação, para uma pesquisa mais profunda, o mais difícil e o que teve o resultado mais bacana, ela tem um carinho especial.

Ela usa as sementes, “escondidas” durante séculos, quase envergonhadas dentro do fruto verde e alongadas, para preparar um caviar vegetal. “O quiabo é um ícone.”, conta.

Outro entusiasta do quiabo é o chef Alex Atala -considerado, na mesma lista, o quarto melhor do mundo.

Atala inventou o papel de quiabo. Simplificando muito, ele bate, no liquidificador, quiabo, pimenta, sal e glicose. Depois, esparrama a mistura em uma folha de silicone e leva ao forno.

O papel de quiabo é servido com quiabo salteado, caviar de quiabo e quiabo frito. Não à toa, o prato, servido no seu restaurante D.O.M., em São Paulo, recebeu o nome de “quiabo quiabo quiabo”.

No Dalva e Dito, o chef serve ratatouille -o prato francês que, numa releitura “brasuca”, virou ratatouille do sertão- feito com ingredientes inusitados, como quiabo, maxixe, banana-da-terra e manteiga de garrafa.

O uso de ingredientes brasileiros com sotaque francês virou moda quando chefs gauleses vieram para cá nas duas últimas décadas.

Um deles é Emmanuel Bassoleil, chef do Skye, no hotel Unique de São Paulo. Ele incorporou ingredientes nacionais aos seus pratos e diz que “hoje, as pessoas estão mais curiosas, abertas e preparadas para consumir produtos que há 20 anos nem pensariam em provar”.

Ousadia não falta também ao chef Diego Belda, do restaurante Rothko, em São Paulo. Ele criou uma terrine de foie gras, quiabo e pequi. “Sempre gostei de quiabo, principalmente por causa das várias texturas e das possibilidades de leituras”, diz.

Para a chef Roberta Sudbrack, o quiabo está ressurgindo. “A cozinha moderna brasileira não pode estar desconectada dessas raízes, das coisas simples do dia a dia.”

Para ela, “ainda não chegamos nem perto de descobrir tudo o que esse ingrediente tem a nos oferecer”.

No restaurante Xapuri, em MG, dona Nelsa defende que não é preciso mais que uma boa receita para conferir o potencial e o sabor do quiabo.

Ali, o quiabo verdinho recebe o tratamento “original”. Ele é lavado com esmero, cortado em pedaços de quatro centímetros e levado à panela. O segredo dela? Respeitar o “jeito de ser” dele. “Deixe o quiabo quietinho, na dele. Se mexer, ele solta a baba.” Questão de personalidade.  

Assim, o prato eleito para desenvolvimento de uma peça conceito que expresse o conceito da joalheria autoral e que aborde o processo da gastronomia criativa foi o Quiabo defumado recheado com camarão semicozido, receita de Roberta Sudbrack.

Quiabo defumado recheado de camarões semicozidos. As sementes estalam na boca, o micro brunoise quase não permite identificar o tomate. São sabores distintos num crash de texturas, a língua vibra e a energia de prazer também.

Solução Proposta

Processo: 

Experimentação!!! Como transpor do natural para o objeto mantendo ao máximo suas principais características, como por exemplo, captar direto do elemento a própria textura? Experimentação espontânea, espontânea, espontânea. Assim como na gastronomia, valorizar o “ingrediente”, respeitando-o e buscando extrair e enfatizar suas características e provocações. Foi com o processo de fundição tradicional, com tubo revestido, que o trabalho atingiu o seu objetivo.

Conclusão:

As possibilidades de exploração tanto na gastronomia quanto no design são infinitas. 

Do ponto de partida até a chegada são descobertas.

É um processo de criação mais livre, mas não desordenado, tem um embasamento e orientação.

Mas tudo depende do seu olhar…